A Marcha da Morte de Bataam

O feroz sol tropical  bate forte sobre as cabeças dos prisioneiros, todos exaustos, famintos e sedentos, alguns muito doentes. Há horas que eles não param para descansar. Não há misericórdia para quem cambalear ou cair. Os soldados japoneses matam a  tiros ou  a baionetadas qualquer um que não possa manter-se em pé,  e, por vezes, até mesmo os que conseguem. Ao longo da estrada,  centenas  de cadáveres apodrecem - um lembrete sinistro a todos que, a qualquer momento, a morte pode reclamá-los.

A Marcha da Morte de Bataam é listada entre as maiores atrocidades cometidas pelo Exército Imperial Japonês durante a Segunda Guerra Mundial, lista que inclui vários massacres e casos de experimentos com seres humanos, como os da infame Unidade 731.

A Batalha de Bataam, que ocorreu nas Filipinas, em 1942, durou três meses. Com a vitória dos japoneses, cerca de 60.000 soldados filipinos e 15.000 soldados americanos foram feitos cativos. Milhares desses homens, nem sequer chegaram ao campo de prisioneiros.

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Para demonstrar sua superioridade militar, o exército japonês obrigou os cidadãos filipinos  a olhar para os corpos dos prisioneiros mortos.


"Quando a marcha começou, tudo meio que congelou na minha cabeça", lembra o sobrevivente Alf R. Larson. " Eu estava mentalmente anestesiado o tempo todo. Não pensava em nada, não sentia nada. Era como se eu fosse um robô, eu não parava de andar. Além da claridade do dia e da escuridão da noite, eu perdi a noção do tempo. Eu precisei me esquecer de tudo e me concentrar em seguir em frente. Eu vivia um dia de cada vez, de fato, uma hora de cada vez. A única coisa que eu pensava era: Bom, se Deus quiser, eu passarei por mais este dia. "

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Soldados carregam os restos mortais de prisioneiros que conseguiram chegar ao Campo O'Donnell, mas que depois morreram executados, de cansaço, de fome ou por doenças.


Tudo começou com a maior rendição da história militar dos Estados Unidos. Em abril de 1942, as forças americanas e filipinas estavam à beira da exaustão, depois de meses lutando contra os japoneses. Sem reforços, com pouca comida e suprimentos médicos, o Major General Edward King não via outra alternativa sem ser a de entregar seus 69.500 homens para o inimigo. E foi isso o que ele fez, mesmo contrariando as ordens de Washington.

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Prisioneiros americanos durante a Marcha da Morte. Da esq. para dir: Samuel Stenzler, Franck Spear e James Gallagher.


Após a rendição, não demorou muito para o inicio das atrocidades. Logo de imediato, entre 350 a 400 soldados e oficiais filipinos foram sumariamente executados. Os  japoneses simplesmente não sabiam o que fazer com tantos prisioneiros.

A etapa inicial da marcha foi um percurso de 30 quilômetros até Balanga. Em Balanga, milhares de prisioneiros foram amontoados em caminhões e levados para a estação ferroviária de San Fernando, outros milhares, devido a escassez de veículos, tiveram que seguir a pé

Os que conseguiram chegar à estação de trem foram trancados em prisões improvisadas onde finalmente tiveram direito a comida, água e algum atendimento médico. Em seguida, foram todos colocados dentro de trens apertados e levados até Capas; durante a viagem de três horas, centenas de prisioneiros vomitaram e sofreram ataques de disenteria. Muitos sufocaram em seu próprio vômito até a morte; os que chegaram a Capas vivos, ainda foram obrigados a marchar por 12 km até ao campo O’Donnell.

Ao todo, os prisioneiros foram forçados a uma jornada de 80 quilômetros de morte e sofrimento. Embora conhecido coletivamente como a Marcha da Morte, a movimento dos prisioneiros de Bataam para o campo O'Donnel foi na verdade uma série de marchas, em grupos de cerca de 100 homens de cada vez.

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Durante os primeiros três dias de marcha, os prisioneiros não receberam nem comida, nem água. Alguns beberam a água estagnada e chafurdada por búfalos, encontrada ao longo do caminho. Isso só piorou a situação, porque os que beberam dessa água podre, logo passaram a sofrer de diarreia.

Embora houvesse poços artesianos ao longo do percurso, os prisioneiros não foram autorizados a beber deles. Portanto, não admira que muitos  enlouqueceram e tentaram correr para as cisternas. No entanto, eles eram baleados e mortos antes que pudessem chegar lá.

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Além de lhes ser negada a comida, os prisioneiros também eram atormentados por seus captores, que cozinhavam e comiam diante deles. "Durante o dia, os soldados japoneses nos diziam que teríamos bolas de arroz quando chegássemos ao nosso destino à noite", relata Larson. "Quando chegávamos ao lugar onde íamos passar a noite, podíamos vê-los cozinhar e o cheiro dos alimentos impregnava todo o acampamento."

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Quando os prisioneiros eram autorizados a sentar-se, era provável que fosse apenas mais uma punição, uma vez que eles foram obrigados muitas vezes a se sentarem sob o sol quente, sem qualquer tipo de proteção.

"Uma vez a estrada ficou tão lotada que fomos levados à uma clareira", lembra o capitão William Dyess, um piloto de caça capturado. "Lá, por duas horas, tivemos a nossa primeira experiência com o castigo oriental de ficar sob o sol a pino, castigo que drena a energia e enfraquece o espírito. "

"Os soldados japoneses nos fizeram sentar no chão escaldante, expostos à força máxima do sol", explica Dyess. "Muitos dos norte-americanos e filipinos não tinham nada para proteger suas cabeças. Eu estava ao lado de um pequeno arbusto, mas que não fazia nenhuma sombra porque o sol estava quase em cima de nós. Muitos dos homens ao meu redor estavam doentes. "

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Prisioneiros enterram dois dos seus mortos no Campo O'Donnel

Costuma-se dizer que os japoneses tratavam seus prisioneiros de guerra de forma tão brutal, porque eles acreditavam que qualquer soldado que se permitisse ser capturado ao invés de lutar até a morte, era um homem inferior, não digno de tratamento honroso.

No entanto, isso não explica o tratamento cruel dispensado à população civil encontrada ao longo da marcha de Bataan. Os sobreviventes recordam o estupro e o assassinato de cidadãos filipinos durante o percurso. Alguns foram baleados por sua compaixão quando tentavam dar comida para os prisioneiros famintos.

A noite  trazia pouco alívio para os cativos em marcha. "À noite, eles nos colocavam em cercados de arame farpado, era apenas um único fio de arame farpado passado ao redor das árvores e os japoneses nos colocavam lá dentro como se faz com um rebanho", relata o sobrevivente Leon Beck. "Não havia latrinas, você defecava onde estava, tudo ficava muito sujo e fedido, quando amanhecia, não podíamos sair. Tínhamos que ficar lá. Por causa dessas condições, todo mundo estava doente, com malária e disenteria ... "

Beck conseguiu escapar da marcha da morte se jogando em um rio. Mais tarde, ele se juntou a guerrilheiros americanos que lutavam contra os japoneses.

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Prisioneiros aguardam o início da marcha


Como mencionado anteriormente, aqueles que não podiam manter-se em marcha com os outros presos, por qualquer motivo, eram mortos. Não houve exceções. Homens que precisavam se aliviar foram obrigados a simplesmente fazer as necessidades enquanto caminhavam. E qualquer um que caísse de doença ou exaustão, se não fosse imediatamente morto com um tiro ou por uma baionetada, era apanhado pelos "esquadrões de limpeza", soldados japoneses que vinham na retaguarda da marcha para verificar se todos os prisioneiros deixados ao longo da estrada, estavam realmente mortos. Ás vezes, quando soldados desse esquadrão  se deparavam com um prisioneiro cambaleante, eles simplesmente o atropelavam e seguiam em frente.

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100 prisioneiros de guerra americanos capturados em Bataan e Corregidor foram queimados vivos. Os seus restos mortais foram enterrados em covas como a da imagem acima.

Assim que chegaram à cidade de San Fernando, os prisioneiros passaram para trens. Mesmo assim, não houve trégua para o sofrimento deles. Os vagões, construídos para levar no máximo de 30 a 40 homens, foram lotados com até 115 prisioneiros cada um. Não havia espaço para sentar-se e muitos homens morreram sufocados ou de exaustão de calor na viagem para Capas.

Quando os prisioneiros de guerra finalmente chegaram ao Campo O'Donnell, o suplicio deles não melhorou em nada. Imediatamente após a chegada, qualquer um que fosse encontrado na posse de artigos japoneses (incluindo dinheiro) era executado, diminuindo o número de sobreviventes ainda mais.

O Campo de Prisioneiros O'Donnell foi construído para acomodar 10 mil homens, mas seis vezes este número estavam presos lá, no calor sufocante. Havia pouca água potável, alimentação inadequada, sempre cheia de moscas e não existia instalações médicas. Com os homens mantidos em limites tão severos, a disenteria, a malária e uma série de outras doenças tropicais espalhavam-se sem controle. Depois de sobreviverem às condições infernais da marcha, os prisioneiros, durante as primeiras semanas no campo, morriam a uma taxa de entre 30 a 50 por dia.

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O General Homma aguarda o julgamento que irá condená-lo por crimes de guerra e sentenciá-lo à morte por fuzilamento.


Os números chocantes continuam. Cerca de 20.000 filipinos e 1.600 americanos morreram no Campo O'Donnell, antes dos prisioneiros serem finalmente libertados em 30 de janeiro de 1945 - quase três anos após a marcha da morte ter começado.

O General Masaharu Homma - que na época estava no comando do Exército Imperial Japonês nas Filipinas - foi acusado de crimes de guerra, por permitir as atrocidades durante a marcha da morte e no campo de prisioneiros. Num julgamento muito contestado por juristas de todo o mundo, ele foi condenado, sendo executado por um pelotão de fuzilamento em abril de 1946. Outros sete generais japoneses, mais tarde, também foram condenados por crimes de guerra nas Filipinas e foram e enforcados.

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Prisioneiros comemoram sua libertação do Campo O'Donnel

Em maio de 2009, o embaixador do Japão nos Estados Unidos pediu desculpas em nome de seu governo pelas atrocidades da Marcha da Morte de Bataan. Em 2010, o ministro japonês das Relações Exteriores também fez um pedido de desculpas a seis sobreviventes dos campos de prisioneiros de guerra japoneses, incluindo Lester Tenney, um sobrevivente de Bataan de 90 anos. Hoje, existem vários memoriais nas Filipinas e nos Estados Unidos para homenagear os prisioneiros de Bataam. Uns poucos sobreviventes daquele inferno ainda estão vivos. Esses homens são testemunhas de um dos capítulos mais brutais da Segunda Guerra Mundial.

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