Escrito por: Edgar Nascimento.
Entre as 100 músicas mais tocadas nas rádios brasileiras em 2005, 29 eram cantadas em língua estrangeira, sendo 28 em inglês e uma em espanhol. Das cantadas em português, três eram versões de originais em inglês e outra, de original em espanhol. A pesquisa foi feita na seção Time Machine, do site Hot 100 Brasil.
A situação atual não é muito diferente da dos primeiros anos da era do disco. De acordo com estudo feito com base em dados no mesmo site, de 1902 a 1904, cerca de 30% dos discos vendidos no Brasil eram de música estrangeira.
Entretanto, a invasão maciça de músicas estrangeiras ao país estava reservada para mais tarde. Com a invenção do rádio pelo italiano Guglielmo Marconi, a primeira transmissão musical teve lugar na Europa, em 1920. Em 1922, seria a vez da primeira irradiação no Brasil, por ocasião das comemorações do primeiro centenário da Independência.
Pelo ano de 1925, sempre segundo a mesma fonte, em torno de 50% das músicas transmitidas pelas rádios no Brasil eram estrangeiras, em sua grande maioria cantadas em inglês.
No correr do tempo, esse percentual vem oscilando para cima e para baixo, mas o volume de músicas estrangeiras tocadas nas rádios tem permanecido na marca dos 30%. Todavia, como se sabe, algumas rádios FM das capitais e cidades mais populosas, especialmente as voltadas para o público jovem, tocam um número consideravelmente maior de músicas estrangeiras.
A questão que se coloca é esta: Quem entende música estrangeira? Será que todas essas pessoas que freqüentam as baladas, ouvem as FMs e compram CDs e DVDs de música importada conhecem o sentido da música que estão ouvindo? Em termos, sim.
Em que língua Beethoven compôs?
Para começar, qualquer música é constituída de uma linguagem própria, que é universal. Seria o caso de se perguntar: Quem entende a música de Beethoven? Ou melhor: Em que língua Beethoven compôs? Isto faz refletir. Beethoven era alemão, falava alemão, mas não compôs em alemão, e sim, criou toda uma obra em linguagem musical, que é compreendida universalmente.
O fato de alguém compor uma melodia e depois acrescentar uma letra em cima é acidental. A música continua sendo música, e a letra permanece letra. Você pode até não entender a letra, mas, a música, a melodia, você entende, não é mesmo?
Beatles, Sakamoto e a Bossa Nova
Um exemplo bem conhecido: “Yesterday” (Lennon-McCartney). A canção foi gravada pelos Beatles em 1965 e fez sucesso no mundo inteiro. A letra da música original está em inglês. Você substitui a melodia cantada por uma versão instrumental, que pode ser tocada ao piano. Mesmo sem letra em inglês ou em qualquer língua, a música continua bela e é perfeitamente identificável.
Outro exemplo, menos conhecido: “Sukiyaki” (Kyu Sakamoto). O próprio autor interpretou sua música cantando em japonês. Gravou no Japão em 1961. O disco foi lançado nos Estados Unidos em 1963, tomando de assalto a parada de sucessos da Billboard, conquistando o primeiro lugar durante três semanas. Por quê? Porque a música é linda! Que importava se os americanos não entendiam japonês? E não foi só lá: “Sukyiaki” chegou ao 26º lugar também no Hot 100 Brasil, e nós não entendíamos — como até hoje não entendemos — japonês. A música chegou a ser gravada em português pelo Trio Esperança, tendo chegado, em 1964, à 40ª colocação no Hot 100 Brasil.
Um terceiro exemplo, desta vez revelando o reverso da moeda: “Aquarela do Brasil” (1939), de Ary Barroso, conquistou o mundo via Estados Unidos, abrindo espaço para uma verdadeira avalanche da música brasileira naquele país com a bossa nova a partir do final dos anos 50. Desde então, a música universal nunca mais foi a mesma.
Música: Linguagem universal
Toda essa fenomenologia só pode encontrar explicação no fato de que a música é, em si mesma, uma linguagem. E essa linguagem é universal, isto é, a música pode ser compreendida por qualquer pessoa de qualquer língua e de qualquer país.
Compreender a língua em que uma canção é cantada é uma outra questão, não menos interessante. Se os americanos adoraram “Sukyiaki” e “Garota de Ipanema” sem conhecer o significado das letras, imagine se eles tivessem compreendido!
E se nós, aqui no Brasil, gostamos tanto de certas músicas cantadas em outras línguas, mesmo sem conhecer o sentido das letras, é de se imaginar o que aconteceria se lhes compreendêssemos o significado.
Pensar e imaginar na língua estrangeira
Agora, uma nova questão: é mais importante captar o sentido das palavras do que conhecer uma mera tradução de uma letra. Não é a mesma coisa. A tradução de um verso dificilmente vai encaixar na métrica da língua para a qual é traduzido, a rima fica estranha e sempre haverá alguma perda de significado numa tradução literal. Mais importante é você conhecer o sentido de cada uma das palavras da canção na língua original. É mais ou menos como “pensar” na outra língua em vez de fazer as palavras transitarem por uma tradução.
Em vez de pensar assim:
Imagine (John Lennon):
Você pode dizer que sou um sonhador
Mas não sou o único
Espero que, qualquer dia, você se junte a nós
E o mundo será uma só coisa.
You may say I'm a dreamer
But I'm not the only one
I hope some day you’ll join us
And the world will be as one
Se você não conhece a língua em que a música é cantada, pode procurar o significado das palavras num dicionário e tentar captar o sentido de modo direto. O melhor jeito de fazer isto é começar com uma música de que você realmente goste muito.
Um hábito que pode ser adquirido com proveito é o de ouvir música lendo a letra. Assim, você começa a entrar no sentido mais profundo da música e vai passar a gostar ainda mais dela.
A contribuição da Música por um mundo melhor
Costuma-se dizer que os esportes e as artes não conhecem fronteiras. É verdade. No campo político e econômico, pode até haver alguma aversão, fundada ou não, entre países ou grupos étnicos, e a língua falada pelo país estrangeiro ou grupo pode se ressentir, por tabela, com o preconceito. Felizmente, a música tem dado e continuará dando sua contribuição por um mundo melhor.
O esforço que pudermos fazer para conhecer uma língua estrangeira jamais será em vão. Ainda mais se esse pequeno esforço nos traz, de imediato, tanto prazer.
Ao conhecer o sentido das letras das músicas estrangeiras, ganhamos três vezes: além de tornar nossas músicas preferidas ainda mais interessantes e compreensíveis e melhorar nosso conhecimento das outras línguas, passamos a compreender a realidade mais profunda dos países onde essas canções se originaram.
We are the World
Pode parecer um sonho, mas não é. Ainda que haja quem não queira, o mundo caminha, feliz e inexoravelmente, para a unidade. E a música tem um papel importantíssimo na promoção dessa unidade.
Por falar nisso, lembra-se daquela canção chamada “We are the World” (Michael Jackson & Lionel Richie), gravada em 1985 por um grupo de celebridades em prol de uma campanha para combater a miséria na África? Além dos autores, ouvíamos claramente as vozes bem conhecidas de Stevie Wonder, Ray Charles, Bruce Springsteen, Paul Simon, Cindy Lauper, Bob Dylan e outros. Diz assim:
There comes a time
When we hear a certain call
When the world must come together as one
There are people dying
Oh, and it’s time to lend a hand
To life, the greatest gift of all
We can’t go on
Pretending day by day…
We are the World
We are the children…
Se desejar conhecer o ranking das músicas mais tocadas no Brasil desde 1902, quando o disco foi inventado, até 2005, último ano em que foi feito o levantamento, você pode dar uma olhada na seção Time Machine do site Hot 100 Brasil. Vale a pena!
Esta postagem é uma reprodução integral do texto escrito por Edgar Nascimento, segundo os termos delineados no site do autor.
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